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Maturação de cerveja em barris de madeira


(Este artigo foi escrito por Pietro Santiago, químico, professor e palestrante. Técnico em cerveja e Sommelier de cervejas pelo Science of beer.)


O cervejeiro tem por essência uma inquietante vontade de querer conhecer cada vez mais sobre cervejas, e esse assunto, torna-se ainda mais desafiador quando buscamos na Química as respostas e explicações para seu entendimento. Qualquer característica sensorial impressa por um insumo ou método de produção é logo motivo de investigação para os cervejeiros e cervejeiras em qualquer lugar do mundo.

Um método milenar de maturação da cerveja vem ganhando força por trazer atributos de maior complexidade a bebida. É a maturação da cerveja em barris feitos de madeira. Essa técnica permite ao cervejeiro imprimir na bebida uma identidade sensorial única, tendo em vista que a madeira e/ou a bebida utilizada anteriormente na barrica influenciam nas impressões gustativas e aromáticas da cerveja.

Tradicionalmente a cerveja que passa por esse processo, é maturada em barris de carvalho, mas com a flora mais diversa do planeta, os cervejeiros brasileiros vêm testando o uso outras espécies florestais. A hegemonia do uso do carvalho para envelhecimento de bebidas se justifica por este apresentar excelente porosidade aos gases, alta impenetrabilidade dos fluidos, composição de extrativos que conferem aroma e sabor favorável, resistência a ataques por microorganismos, alta durabilidade, dureza, flexibilidade e resistência.

A maturação da cerveja feita em barris visa extrair características da madeira e/ou da bebida anteriormente contida no barril e transferir para a cerveja. O conhecimento acerca da composição química e as características físico-químicas da madeira são importantes aliados para escolha desse método e da variedade da madeira a ser utilizada. Cada espécie apresenta descritores aromáticos específicos que serão impressos no produto final.

O conhecimento um pouco mais aprofundado da madeira é indispensável para um uso racional desse material na produção da cerveja e por isso vale a pena começar pela sua composição química. Todas as espécies de madeira possuem em sua constituição basicamente quatro elementos: Carbono (C), Hidrogênio (H), Oxigênio (O) e Nitrogênio (N). Além destes elementos encontram-se pequenas quantidades de Cálcio (Ca), Magnésio (Mg), Potássio (K) e outros, como constituintes minerais também presentes na madeira.

Já no que diz respeito a composição da madeira quanto as substâncias químicas orgânicas, temos como principais componentes Celulose, Polioses (Hemicelulose), Ligninas e Extrativos (substâncias de baixo peso molecular). Essa ultimas podem ser divididas em compostos Fenólicos, Terpenos, Ácidos Alifáticos e outros compostos.

Durante o envelhecimento a bebida armazenada em barris de madeira provoca extração alcoólica de compostos da madeira, decomposição de suas macromoléculas, transformação dos compostos extraídos e interação dos componentes da bebida com esses novos compostos. O oxigênio que circula pelo barril através dos poros promovendo reações químicas de micro oxidação da cerveja contribuindo para formação de aldeídos, ésteres e ácidos capazes de promover mudanças gustativas, olfativas e de coloração.

Os atributos sensoriais oriundos da madeira dependerão da es+colha do cervejeiro por barris virgens ou que já foram utilizados para maturação de outras bebidas como vinhos, cachaça, etc, do tipo de madeira utilizado e do tempo de envelhecimento. Todas essas variáveis tornam cervejas maturadas em madeira únicas e difíceis de serem reproduzidas. Com grande variedade de espécies nativas, o emprego de barris de madeira nacional com composição de extrativos de aroma e sabor favorável pode ser um caminho para a caracterização de uma escola cervejeira brasileira.