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Manifesto de uma mulher cervejeira

Com a chegada de março, começam a surgir as campanhas sobre o dia Internacional da mulher e no segmento cervejeiro não é diferente. 

Na semana do dia 08 de março, mulheres são convidadas para realizar uma fala sobre o que é ser mulher num mercado majoritariamente masculino e quais são as dificuldades encontradas na carreira. 

As dificuldades incluem serem chamadas para falar do mesmo assunto todo ano ou participar de campanhas de cervejaria para criar empatia e visibilidade para a marca, de um assunto que fica nos trendings topics por uma semana. Enquanto o restante do ano, não se lembram de chamar as mesmas mulheres para falar de cerveja, malte ou lúpulo, mesmo quando são especialistas no assunto. 

Como cientista e CEO do Science of Beer Institute passei a adotar práticas que buscam a equidade de gênero em meus projetos. Minha trajetória que nasceu na Ciência traz o amparo e ascendência de mulheres que passaram por esse caminho e sigo lutando para dar mais espaço à elas.   

As mulheres ocupam somente 37,4% dos cargos de gerência, e quando se trata de alta gestão só temos 8% das mulheres nos cargos de CEO. Isso é preocupante quando sabemos que a média de instrução das mulheres chega a ser 10% maior que dos homens. Por isso, eu acredito que ações que fortalecem o trabalho de mulheres valem mais que campanhas que exaltam nossa beleza.

Essas estatísticas mostram que precisamos trabalhar muito mais para atingir o mesmo sucesso que homens têm, sem o mesmo talento ou experiência. Estudamos, criamos e conquistamos o mundo e ainda assim, os espaços de liderança nos são negados apenas por sermos mulheres. 

Nos últimos anos, abri ações afirmativas nos cursos do Science para bolsas parciais ou integrais para mulheres, pessoas negras e/ou que se encontram em situação de vulnerabilidade econômica. Esse projeto é só um parte do que eu posso fazer pelo mercado, já formamos mais de 10.000 alunos e busco dar oportunidade para pessoas que sonham em estudar cerveja.

A Equidade não pode ser um apêndice, precisa estar na governança e no ponto de partida pra seleção de equipe. Do contrário não se está fazendo algo que reflita na sociedade, e do ponto de vista de uma empresa essa ideologia vai além, vai se ficando pra trás, perde-se prestígio e risco de perder dinheiro. O país está atrasado ao mundo que está caminhando e avançando nas questões de equidade.

A palavra feminismo ainda assusta e afasta muita gente, principalmente no meio cervejeiro, mas essa pauta não é contra os homens e sim a favor das mulheres. Ser feminista é usar uma lente que te permite enxergar o mundo por outras perspectivas além da sua. Perspectivas inclusive que nos alertam quando estamos tendo estruturas de opressões. Meu convite é para todos passarem a usar essas lentes.

Ainda vivemos num sistema de opressões que beneficia a poucos. Um homem não vive experiências de machismo, logo é muito difícil que compreenda como esse machismo opera e pessoas héteros não sofrem com a lgbtfobia para compreender a deslegitimização de sua orientação sexual. Não há como enfrentar a desigualdade no Brasil, sem enfrentar a desigualdade de gênero e raça. 

Por estarmos num mercado que permeia a diversão e por falar de bebida alcoólica, ainda há muita objetificação da mulher. Passamos por diversas situações de assédio moral ou sexual em eventos cervejeiros, nos quais ainda temos que repetir que NÃO É NÃO para evitar comportamentos nocivos para a mulher. É impressionante que ainda no século XXI precisemos discutir respeito e consentimento. 

E ainda assim, nos últimos dois anos o mercado foi inundado por diversos episódios de machismo, misoginia, homofobia e racismo, vide o caso da cervejeira Brienne nos EUA e de diversas mulheres no Brasil. É preciso discutir como podemos melhorar o segmento para então ter um ambiente mais inclusivo e acolhedor. E as mulheres devem ser protagonistas nesse diálogo. 

A mensagem que precisamos passar é que ao invés de desejarem feliz dia das mulheres, valorizem nosso trabalho, contratem os serviços de mulheres, comprem de mulheres, fortaleçam suas ações e as deixem tomar os postos que lhes são de direito. A representatividade é de extrema importância para que o posicionamento saia do papel e faça a diferença.

Nós precisamos ocupar cargos que possam efetivamente realizar as mudanças estruturais que irão beneficiar a todos e não só os homens. Para mim, a melhor pessoa para tomar decisões para mulheres, são as mulheres.

As pequenas ações ao longo da minha carreira são a forma que posso contribuir para o crescimento do trabalhos de mulheres, dando oportunidades profissionais e indicando para vagas que comumente são tomadas por homens. Ainda há muita resistência em contratar mulheres nas cervejarias por exemplo, mesmo que tenham instrução comprovada.

A mulher, além de ter que se provar constantemente na sua área de atuação, ainda sofre com a jornada dupla de trabalho: no Brasil, a mulher tem uma média de 18,1 horas de trabalho de afazeres domésticos durante a semana, enquanto os homens tem 10,5h. E essa mudança deve ser estrutural, vem das ações que efetivamente deem voz para que as mulheres estejam em postos de decisão. 

Essas ações podem ser: implementação de uma política de contratação e gestão que considere mulheres para os cargos e tolerância zero de discriminação de gênero, a contratação de uma consultoria feminina especializada em treinamento educacional e preventivo contra violência de gênero, estabelecimento de protocolos de prevenção e políticas contra assédio de todas as origens em local de trabalho, promovendo um espaço seguro para mulheres.

Além disso, as cervejarias, bares e pubs podem instruir a equipe e comunicar através de seus canais e espaço físico que a mulher que se encontra em alguma situação de assédio pode falar abertamente com os colaboradores e/ou gerência. São ações como essas que podem realmente fazer a diferença.

Temos muitas mulheres extremamente competentes e experientes no mercado cervejeiro, contratem mulheres para que estejam no processo de decisão, contratação e gestão dos seus negócios, isso vai ter muito mais significado do que uma cerveja rosa e perfumada para 8 de março.

As ações de uma empresa podem ser um protesto silencioso que endossam o poder às mulheres competentes de nosso mercado e ainda acho que não é suficiente: Precisamos de todas as mulheres! 

No mês da visibilidade das mulheres queremos mais que flores e homenagens, que claro que são bem vindas, mas queremos espaço e valorização de atuação, políticas públicas, espaço de fala, ações e programas que valorizem a equidade e diminua as violências de gênero. Essas transformações precisam ser em todas as esferas: instituições, associações, cervejarias, todos os tipos de negócios.