Lúpulo: um olhar químico sobre a planta e sua aplicação na cerveja
Conheça as propriedades químicas do lúpulo e saiba como a planta é utilizada na produção de cervejas.
(Este artigo foi escrito por Pietro Santiago, químico, professor e palestrante. Técnico em cerveja e Sommelier de cervejas pelo Science of beer.)
A Química está presente em nosso dia a dia e em tudo que nos cerca. Conhecer a composição química dos diferentes materiais permite compreender as características mais íntimas da matéria e sua propriedades macroscópicas. Com isso, é possível modificá-la de acordo com as nossas necessidades.
Diversas reações químicas acontecem nos organismos vivos, animais ou vegetais. A todo momento, diferentes substâncias são sintetizadas dentro dos organismos. Nos vegetais, essas substâncias são denominadas metabólitos.
Os metabólitos que fazem parte do desenvolvimento, crescimento ou reprodução são chamados metabólitos primários. Já as substâncias que não atuam diretamente no desenvolvimento, crescimento ou reprodução são chamadas metabólitos secundários.
Como ocorre o metabolismo
Ao conjunto de reações químicas que ocorrem dentro das células vegetais chamamos de metabolismo. São as enzimas com suas especificidades que direcionam as reações em químicas gerando rotas metabólicas. Essas rotas metabólicas visam a biossíntese de compostos essenciais à sobrevivência.
No metabolismo primário, as plantas usam a energia do sol e o dióxido de carbono (CO2) para realizar a fotossíntese e produzir compostos orgânicos. Os primeiros produtos gerados no processo são os carboidratos, depois vem os açúcares, ácidos carboxílicos e aminoácidos - compostos encontrados em todos os seres vivos.
O metabolismo secundário é caracterizado pela biossíntese de micromoléculas com diversidade e complexidade estrutural. O processo está relacionado à defesa de ataques por insetos, animais herbívoros ou microrganismos, na proteção contra radiação solar, atração de polinizadores ou de animais disseminadores de sementes.
Muitos desses metabólitos secundários são de grande importância na indústria e entender a composição química desses compostos melhora o controle de qualidade do produto final, além de otimizar o processo de produção.
O desenvolvimento da química de produtos naturais mostra que esses marcadores químicos podem ser usados para caracterizar, descrever e classificar espécies. A classificação das espécies por meio de seus marcadores químicos é conhecida como quimiotaxonomia. Essa recente sistemática vem revolucionando a indústria farmacêutica, alimentícia, o agronegócio e a indústria de perfumes.
Como o lúpulo é utilizado na cerveja
O lúpulo (Humulus Lupulo) é uma espécie trepadeira pertencente à família cannabaceae. Encontrado com mais facilidade no hemisfério norte, o lúpulo é utilizado essencialmente na produção de cerveja. Seu uso na produção cervejeira teve início no século XVIII e além de conferir sabor e aroma, tem função antimicrobiana, antioxidante e auxilia na estabilização coloidal da espuma.
Suas propriedades na cerveja acontecem em virtude de seus metabólitos secundários. Como marcadores quimiotaxonômicos no lúpulo destacam-se resinas totais, polifenóis, óleos essenciais, proteínas, ceras, esteróides, entre outros. A proporção depende de alguns fatores, como a variedade do lúpulo, o local e as técnicas de cultivo, grau de maturação no momento da colheita, além de fatores pós-colheita como secagem, peletização e armazenamento.
As resinas totais correspondem de 15% a 30% da massa de lúpulo e podem ser fracionadas em resinas macias e duras. Nas resinas macias de coloração amarela e aspecto fluido, denso e viscoso são encontrados os α-ácidos (Humulona, Cohumulona, Adhumulona, Prehumulona e Poshumulona) e a fração β . Essa por sua vez pode ser dividida em β-ácidos (Lupulona, Colupulona, Adlupulona, Prelupulona e Poslupulona) e resinas macias não caracterizadas.
Como o lúpulo interfere no sabor da cerveja
No processo de fabricação de cerveja, as humulonas contribuem para fornecer o gosto amargo à bebida. Esse procedimento promove o equilíbrio com o dulçor proveniente dos açúcares do malte e proporciona um final refrescante, evitando assim que a bebida tenha um gosto excessivamente doce e um caráter sensorial enjoativo.
Os lúpulos devem ser utilizados no início da fervura e conter mais de 10% de α-ácidos.
Durante a fervura do mosto as lupulonas dão origem a diversos compostos amargos que também contribuem para conferir gosto amargo à cerveja. Na cerveja, a maior contribuição dos β-ácidos estão na sua ação antimicrobiana e antioxidante que permite uma maior estabilidade química e sensorial para a bebida.
Na isomerização, cada Humulona é convertida em dois diastereoisômeros: o cis e o trans. As moléculas cis-isohumulonas as principais responsáveis pelo sabor amargo da cerveja.
O amargor na cerveja é expresso em IBU (International Bitterness Unit) e corresponde a quantidade de isohumulonas na cerveja em ppm (partes por milhão de partes). Ou seja, a quantidade em mg de isohumulonas por litro de cerveja. Para a determinação dessa medida deve-se levar em conta a eficiência da isomerização.
Os β-ácidos são estruturas químicas de maior hidrofobia comparadas aos α-ácidos correspondentes, sendo menos solúveis em água e pouco presente na cerveja. Apesar disso, durante a fervura do mosto as lupulonas dão origem a diversos compostos amargos que contribuem para gosto amargo da cerveja.
Além disso, as lupulonas contribuem para a ação antimicrobiana e antioxidantes da cerveja, permitindo uma maior estabilidade química e sensorial para a bebida.
Os lúpulos que possuem baixa concentração de humulonas e lupulonas e que conseguem imprimir aroma e sabor à cerveja são denominados lúpulos de aroma. Na produção cervejeira esse lúpulo deve ser adicionado após a fervura (adição tardia) ou na etapa fria (dry hopping). A adição de aroma conferido a cerveja se deve aos óleos essenciais que são produzidos nas glândulas da lupulona.
Esses óleos são uma mistura de diferentes compostos químicos cujo teor depende de fatores, como variedade do lúpulo, condições de cultivo, ponto de maturação no momento da colheita, condições de secagem, contato com o oxigênio do ar e condições de armazenamento.
Os terpenóides são compostos de maior contribuição nos óleos essenciais e imprimem na cerveja uma gama de notas aromáticas possíveis, são eles: amadeirado, cítrico, especiarias, floral, frutado, sulfuroso, picante, herbal, resinoso, terroso e picante.